domingo, 1 de maio de 2011

A Estrutura da narrativa IV- Genette

Análise estrutural da narrativa
R. Barthes e outros
Editora Vozes, 1972

As Fronteiras da narrativa (p.255-274)
Gérard Genette
Primeiras fronteiras: "Definir positivamente a narrativa é acreditar, talvez perigosamente, na ideia ou no sentimento de que a narrativa é evidente, de que nada é mais natural do que contar uma história ou arrumar um conjunto de ações em um mito, um conto, uma epopeia, um romance". 
Genete volta as origens, citando Platão, que, na República (Livro III) nos teria revelado que "Sócrates nega à narrativa a qualidade (isto é, para ele o defeito) da imitação". A imitação, para Platão, ficaria assim: tem-se antes de tudo a lexis (a maneira de dizer, ou o discurso, ou o arranjo) e o logos (o que é dito, a história que se conta). A lexis é, de um lado, a "imitação propriamente dita", a mimesis, e, de outro, a simples narrativa (diegesis). A simples narrativa, para Platão, seria "tudo que o poeta narra 'falando em seu próprio nome, sem procurar fazer crer que é um outro que fala'".  Aristóteles, na Poética, vai dizer que "a narrativa (diegesis) é um dos modos da imitação poética (mimesis), o outro sendo a representação direta dos acontecimentos por atores falando e agindo diante do público". Primódios da distinção dos gêneros: o dramático se definindo primeiro e por exclusão. 
"A diferença entre as classificações de Platão e Aristóteles reduz-se assim a uma simples variante de termos: essas duas classificações concordam bem sobre o essencial, quer dizer, a oposição do dramático e do narrativo, o primeiro sendo considerado pelos dois filófosos como o mais plenamente imitativo que o segundo: acordo sobre o fato, de qualquer modo sublinhado pelo desacordo sobre os valores, pois Platão condena os poetas enquanto imitadores, a começar pelos dramaturgos, e sem exceção de Homero, julgado ainda demasiado mimético para um poeta narrativo, só admitindo na Cidade um poeta ideal cuja dicção austera seria tão pouco mimética quanto possível; enquanto Aristóteles, simetricamente, coloca a tragédia acima da epopeia, e louva em Homero tudo o que aproxima sua escritura da dicção dramática. Os dois sistemas são portanto idênticos, com a única reserva de uma inversão de valores: para Platão como para Aristóteles, a narrativa é um modo enfraquecido, atenuado da representação literária - e percebe-se mal, à primeira vista, o que poderia fazê-los mudar de opinião".
"'A palavra cão', diz Willian James, 'não morde'". (...)
A operação linguística conduzirá "a esta conclusão inesperada, que o único modo empregado pela literatura enquanto representação é o narrativo, equivalente verbal de acontecimentos não verbais (...) e também de acontecimentos verbais, a não ser que ele se apague neste último caso diante de uma citação direta na qual se anula toda a função representativa". (...) A representação literária, a mimesis dos antigos, não é portante a narrativa mais os 'discursos': é a narrativa, e somente a narrativa. Platão oporia mimesis a diegesis como uma imitação perfeita a uma imitação imperfeita; mas a imitação perfeita não é mais imitação, é a coisa ela mesma, e finalmente a única imitação é a imperfeita. Mimesis é diegesis".
Novas fronteiras: a) a ressonância descritiva, presente sempre, mas pouco estudada. Pode aparecer mais ou pode aparecer menos. Mesmo os verbos trazem essas ressonâncias: "Basta para se convencer desse fato comparar 'empunhou' a faca, por exemplo a 'apanhou' a faca". (...) O objeto pode existir sem movimento mas o movimento não pode existir sem objeto". Suas funções: o ornamento (decoração), como no barroco; a de ordem explicativa e simbólica (Balzac). Na evolução dos textos na hstória a descrição também evolui do ornamento para a significação. Robbe-Grillet teria tentado libertar a descrição da tirania narrativa? A descrição é mais contemplativa, e, assim, mais poética?
Novas fronteiras: b) o "físico" Empédocles para Platão e Aristóteles não é poeta pelo simples fatos de, em que pese usar o mesmo metro que Homero, estar a falar (narrar) o tempo todo em seu próprio nome. Talvez a diferença entre "narrar" e "contar". Autor e autor virtual (um com CPF e o outro sem). Maneiras de se disfarçar. Quem está falando? É o fim da picada, a última fronteira, fingir que a história narra-se a si mesma: "ninguém está falando aqui". Eu, pessoalmente, aceito melhor que um poste possa falar e me contar uma história brilhante que lhe aconteceu uma noites dessas. Não me importaria nem um pouco em ouvir. 
O fim da narrativa, "coisa do passado", engolida pelo discurso. Antevemos a questão do ponto de vista, ou da focalização, objeto de dois livros que temos pela frente: Le discours du récit e o Le nouveau discours du récit, ambos de Genette. Vamos, então. 

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