terça-feira, 21 de junho de 2011

Lima Barreto


"Havia dias que notava com surpresa a indiferença que tinha então pelos meus destinos. Aquele meu fervor primeiro tinha sido substituído por uma apatia superior a mim. Tudo me parecia acima de minhas forças, tudo me parecia impossível; e que não era eu propriamente que não podia fazer isso ou aquilo, mas eram todos os outros que não queriam, contra a vontade dos quais a minha era insuficiente e débil. A minha individualidade não reagia; portava-se em presença do querer dos outros como um corpo neutro; adormecera, encolhera-se timidamente, acovardava".

Afonso Henriques de Lima Barreto,
no início do Cap. VII do Recordações do Escrivão Isaías Caminha.

Esse moço está complicando a minha vida. Não quero me queixar, mas ela já está bastante penosa para mais acréscimos. Todos os poucos à minha volta sabem que leio 8 a 10 horas por dia uma infinidade de textos de todas as espécies e destinados a vários fins. Devo dizer a essa altura: fins específicos e outros fins. Até há cinco dias exatamente vinha separando com graciosa clareza o fim específico: o espaço em Grande Sertão: Veredas. Por essas idas e vindas, deparei-me com a tese de doutorado de um senhor chamado Osman Lins: Lima Barreto e o espaço romanesco, de cerca de 35 anos atrás. Fui, num estalo do espírito e numa contração da alma, tomado de um estranho ódio ao médico, diplomata ocioso, amigo dos próceres da República, o tal João, o mítico João, o mágico João. Tudo porque, já nas primeiras páginas do simplesmentes brilhante texto de Osman Lins, voltei à leitura de Lima Barreto, refazendo-a já quase toda. Freneticamente e, confesso, chorando quase todos os dias. Avancei pouco no texto de Osman Lins, tomado que fiquei pelo reencontro com Lima Barreto. Já sabia de todas as injustiças (sociais e literárias) por que passou o criador do Major Quaresma. Já sabia que o Machadinho (que já estou achando um safado, dissimulado), ao criar a Academia, não se lembrou de Barreto... Uma ova que não se lembrou! Não quis (simplesmente não quis chamar seu irmão). Vai morrer... Antes ele do que eu, não é seu Joaquim? Não vou entrar em detalhes aqui por causa do ódio e da situação. Amanhã estarei mais calmo após mais 100 páginas. Será? A complicação a que me referi no início diz respeito a "detalhes" importantes e que estão a ponto de interferir no andamento da pesquisa: a) Lima Barreto me revela o espaço no romance, assim como eu vinha buscando em João Guimarães Rosa; b) Lima Barreto fala de dentro pra fora (se numa "literatura menor" isso pouco me importa - posto que mais humana) e se seus textos não têm o acabamento formal do senhor João e do senhor Joaquim, tenho certeza de que houve razões para isso; c) O Riobaldo talvez tenha sido criado numa sala climatizada e cheia de mordomos no consulado brasileiro em Hamburgo; d) Afonso Henriques de Lima Barreto e tudo que escreveu tem um cheiro de um bar porco do Largo do Machado ou imagens de pisos frios e de janelas altas de hospícios. Para Georg Lukács, "os novos estilos, os novos modos de representar a realidade não surgem jamais de uma dialética imanente das formas artísticas, ainda que se liguem sempre às formas e sentidos do passado. Todo novo estilo seurge como uma necessidade histórico-social da vida e é um produto necessário da evolução social. Mas o reconhecimento do caráter necessário da formação dos estilos artísticos não implica, de modo algum, que esses estilos tenham todos o mesmo valor e estejam todos num mesmo plano. A necessidade pode ser, também, a necessidade do artisticamente falso, disforme e ruim". Se eu acrescentasse "intencional, verdadeiramente falso, disforme e ruim", teria hoje Lima Barreto como o melhor entre todos. Em que pese e aceito, a  minha volta às origens marxistas. Minhas.

Imagem: Google images (Largo do Machado-RJ, colecionador Ronildo P. Machado)

2 comentários:

  1. Desculpe-me, de antemão, pelo incômodo. Prometo ser breve. Dedico-me ao estudo de Lima Barreto e, no decorrer do seu texto, você fez menção à tese de doutoramento do autor de "Avalovara", Osman Lins, "Lima Barreto e o espaço romanesco". A bem dizer, eu necessito, urgentemente, deste livro, ainda que em formato eletrônico (ele é uma raridade e encontra-se esgotado...). Você não teria como disponibilizá-lo?

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  2. Primeiro, obrigado pela visita, Bruna. Eu estudo o espaço do labirinto em prosa no Mestrado e acabei topando com o texto do O. Lins, genial, e que é realmente difícil de achar. Eu o tenho fisicamente, só não sei como fazer para que ele chegue às suas mãos.
    Abraço.
    Gilson.

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