domingo, 31 de julho de 2011

Folhetim II

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Percebi, num certo dia, ao amanhecer, que não era eu que habitava a casa, convivendo com aquelas pessoas. Era aquele espaço, com aquela gente toda, que me habitava. Lembro-me bem que esta sensação causou-me ainda mais estranhamento que o fato de poder atravessar paredes e não ser percebido pelos outros moradores. Isso se deu naquela manhã porque tive a certeza de que não importava mais onde eu estivesse: eu estava no mesmo lugar, estava sempre naquela casa, com a roseira a dois pés da janela. Duas coisas consegui articular daquilo tudo. Primeiro: se, onde quer que eu estivesse eu estava sempre no mesmo lugar, aquela casa tinha que ser o próprio mundo, o que não era nem minimamente razoável. Segundo: se, por mais que eu atentasse os ouvidos, não conseguia ouvir dos moradores uma palavra sequer que não se referisse àquele lugar, eu só podia pensar que não conhecessem outra casa. Meu pudor de lucidez não me permitiu jamais tentar conversar com um deles. Apenas os ouvia e eles de mim jamais ouviram uma só palavra.

Devo ter dormido e não vi, mas num outro dia acordei e a casa havia "pegado fogo". Um incêndio horrível, como contavam.

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