terça-feira, 12 de julho de 2011

Pergunte ao buriti

A árvore da vida no Noroeste de Minas

Como é sabido, há algum tempo venho lendo coisas sobre o que se denomina por aí de “sertão”.  Para esse momento, porém, queria apenas delinear certa perspectiva acho que linguístico-sócio-geográfica (argh) para uma parte do território brasileiro. Um espaço que se estenderia talvez num quadrilátero envolvendo a metade oeste de Minas Gerais, todo o Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins inteiros e o extremo oeste da Bahia. Parece que acabei de delimitar o bioma Cerrado. Exceto a parte mais ocidental do MS, o pantaneiro. Parece que a palavra “cerrado” é bem recente nos documentos oficiais e até nos estudos da Academia. Também não vou querer saber agora das questões políticas e de propaganda, esses grandes interesses que vêm ao caso, sim. Nos textos oficiais essa região demarcada foi sucessivamente caracterizada, se observarmos pelo viés da vegetação, como composta por “matas de galerias”, “matas tropicais”, “capoeiras” e capoeirões”, além de “hinterlândia” e de “o Oeste” e “coração do Brasil”, “planalto central”. Só muito tarde surge o termo “campo”, substantivo ao qual se juntará o adjetivo “cerrado”, como campo limpo, campo aberto. Segundo o Prof. Antón Quintella, trataria-se de um arcaísmo, pois que o termo “cerrado” tem sua origem no galego-português e ainda hoje é utilizado na Galícia. Pois então: a palavra “sertão” é olimpicamente ignorada. Nenhum poderoso governante propôs a marcha para o sertão (mas marcha para o oeste houve duas, dizem os economistas), nem criou uma revista de governo chamada sertão (mas Pedro Ludovico tinha a sua Oeste), a nova capital da república não foi plantada no sertão (mas no Planalto Central do Brasil, como já o quisera o Imperador Pedro II). Por que será, hein? Quem sabe disso é o Buriti, a árvore da vida (a M'byriti dos Tupis), rainha desse lugar. Riobaldo também, quando nos alerta para o fato: “pergunte ao buriti. O buriti sabe de muitas coisas”. O estudo da toponímia na região vem agora demonstrando esse sabedoria da árvore. Seu nome domina os nomes de lugares e de cidades. Mesmo onde não há mais buriti, por ignorância humana, ele ainda está lá como “fóssil toponímico”. Desse "esquecimento", dessa construção desse mito não se pode acusar a Literatura, pelo contrário. A tradição é muito antiga: Franklin Távora, Cassimiro de Abreu, Alencar, Euclides, Mário, Graciliano, Rosa. O que me faz lembrar Edward Said, comentando sobre o "mito" do Oriente: "Um dos aspectos mais notáveis da nova atenção da ciência social americana para com o Oriente é o fato singular de evitar a literatura. É possível ler montes de escritos eruditos sobre o Oriente Próximo moderno sem jamais encontrar uma única referência à literatura. O que parece importar para o conhecimento da região são os 'fatos', que um texto literário talvez perturbe". No fim, se, de fato, quem dá nome é o povo, o melhor mesmo é perguntar ao Riobaldo, digo, ao buriti.

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