domingo, 10 de julho de 2011

Sobre a noite 2


"Na última e breve cena Macário está de novo na estalagem, acordando, no dia seguinte, de um longo sono. Fica então na dúvida se tudo foi ou não um pesadelo, inclusive porque a hospedeira não confirma as ocorrências da véspera nem a presença de outra pessoa. No entanto, ambos vêem no assoalho marcas chamuscadas de um pé de cabra, sugerindo a passagem do demônio.
"Assim, a ponta do fim engata na do começo, fechando o círculo como os dois únicos momentos de realidade indiscutível. O espaço inscrito é marcado por uma dubiedade de significado que talvez indique a estrutura profunda do drama, construído sobre a reversibilidade entre sonhado e real, vacilante terreno onde, quando pensamos estar num, estamos no outro.
"Um elemento importante desta primeira parte é o que se poderia chamar de 'a invenção literária da cidade de São Paulo', que Álvares de Azevedo instaurou como espaço ficcional. Com isto deu corpo a um processo em curso entre os moços estudantes enclausurados num lugar sem interesse, onde a sua energia transbordava tanto na boemia e na rebeldia estética quanto na imitação de Byron. O noturno aveludado e acre do Macário suscitou a noite paulistana como tema, caracterizado pelo mistério, o vício, a sedução do marginal, a inquietude e todos os abismos da personalidade". Antonio Candido, A educação pela noite, em A Educação pela noite e outros ensaios, p.12-13.

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