segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

São Paulo já foi periferia da periferia

“Convém agora esclarecer o uso, no texto, de duas expressões: cultura (e sociedade) rústica; cultura (e sociedade) caipira. O termo rústico é empregado aqui não como equivalente de rural, ou de rude, tosco, embora os englobe. Rural exprime sobretudo localização, enquanto ele pretende exprimir um tipo social e cultural, indicando o que é, no Brasil, o universo das culturas tradicionais do homem do campo; as que resultaram do ajustamento do colonizador português ao Novo Mundo, seja por transferência e modificação dos traços da cultura original, seja em virtude do contacto com o aborígene.

“A sociedade caipira tradicional elaborou técnicas que permitiram estabilizar as relações do grupo com o meio (embora em nível que reputaríamos hoje precário), mediante o conhecimento satisfatório dos recursos naturais, a sua exploração sistemática e o estabelecimento de uma dieta compatível com o mínimo vital – tudo relacionado a uma vida social do tipo fechado, como base na economia de subsistência.

“A sociedade que se formou do século XVI ao XVIII na área paulista de expansão só pode ser compreendida à luz de reflexões como estas, que dão a chave das acomodações sucessivas por que passou aqui o colonizador, nas vicissitudes da sua intensa mobilidade. A vida social do caipira assimilou e conservou os elementos condicionados pelas origens nômades. A combinação dos traços culturais indígenas e portugueses obedeceu ao ritmo nômade do bandeirante e do povoador, conservando as características de uma economia largamente permeada pelas práticas de presa e coleta, cuja estrutura instável dependia da mobilidade dos indivíduos e dos grupos. Por isso, na habitação, na dieta, no caráter do caipira, gravou-se para sempre o provisório da aventura”.


Antonio Candido, Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação de seus meios de vida.

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