sábado, 4 de fevereiro de 2012

A luz dos seus olhos

Talvez seja mesmo a rede de textos, em que ler é des-escrever e escrever é des-ler. Impossível na academia é dizer o que se pensa, realmente. Eu penso que Dante amava Beatriz, mas não posso escrever isso. Tenho que escrever que Dante idealizava e amava essa idealização, que talvez nem tenha existido realmente. Eu penso que Dante amava Beatriz totalmente, ou seja, amava o que ela tinha de proximidade com o sagrado, o divino, o infinito, mas não posso escrever isso. Tenho que escrever que Dante figurava em Beatriz a noiva do Líbano dos Cânticos de Salomão, a Igreja, realmente tão maltratada pelos seus futuros maridos, os seguidos Papas. Eu penso que Dante amava Beatriz como se ama a luz que tem origem nas profundezas do universo, na fonte que jorra nos jardins dos altos céus, mas não posso escrever isso. Tenho que escrever que Dante, envolto em tramas políticas, sociedades secretas, cria formas literárias novas para expressão do amor cortês e se torna precursor do sujeito moderno, sendo, realmente, uma das pontas de um arco que tem na outra Mallarmé. Eu penso que Dante amava Beatriz como se ama todo o indizível sentimento que ilude o homem a acreditar que ele faz sentido, mas não posso escrever isso. Tenho que escrever que Dante, exilado, traído e perseguido, encontrou em Beatriz um leit-motiv para sua arquitetura poética e forma de vingança. Talvez seja mesmo a rede de textos, em que escrever é des-escrever e e ler é des-ler, também. De uma coisa estou certo, porém, e que me desculpem, o olho é da mesma natureza da luz, o olho só existe por causa da luz, o olho nasceu da luz, e o olho que olha é o olho da tradição. O olho é do homem, mas o olhar está fora dele. Absolutamente fora do seu controle.

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