segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Prefácios I


Um sumário das ideias do tudo era mesmo preciso, como pediu o tio dele: “tem-se que redigir um abreviado de tudo”. Na resposta, quase se vê, ou está muita coisa já: “Ando a ver. O caracol sai do arrebol. A cobra se concebe curva. O mar barulha de ira e de noite. Temo igualmente angústias e delícias. Nunca entendi o bocejo e o pôr-do-sol. Por absurdo que pareça, a gente nasce, vive, morre. Tudo se finge, primeiro; germina autêntico é depois. Um escrito, será que basta? Meu duvidar é uma petição de mais certeza.”  Ora, veja o senhor. O homem manda a gente ler mais, se instruir primeiro. Se não é? Então olha: “A estória não quer ser história. A estória, em rigor, deve ser contra a História”. Nisso, cremos, poderiam ser, primeiro, evitadas muitas palavras desembestadas, muito papel economizado e muita paciência para ler tanta bobagem que se escreve sem saber; segundo, os interesses são absurdamente diferentes. Os que defendem o suposto “desengajamento” das estórias de João, acho que nem se dão conta do que seja exatamente isso, em outros campos. É preciso, antes de mais nada, esquecer, digo, desarmar-se de qualquer “verdade” e talvez mesmo de qualquer língua. Nessas alturas, já devíamos estar a pensar na linguagem, explodida em muitas línguas e ainda muitos falares. Só se se quisesse pensar numa língua anterior a Babel. Sim, por aí se começa. É um incessante desfazer de véus, numa volta, abreviando-se, “o leite que a vaca não prometeu”. Beira-se aqui o ininteligível, o “não-senso”, mas todos devem ter muita paciência, paciência de bois e de gente do “sertão”: ruminando ideias, descobrindo os “fingimentos” que logo se apresentam, fáceis, lógicos, heurísticamente... A autenticidade germinada é que são elas. “É depois”. A ciência, ou a razão científica, poderosíssima e arrogante (quase tão arrogante quanto o Dr. Milton Friedman, que o diabo o tenha, perdão, digo, que siga seu caminho no plano que estiver ocupando), esta razão cartesiana não alcança nunca, sem risco de vida, a existência metafísica do não. João cita, por meio de “piadas-metáforas”, aquela do... “Como no fato do espartano – nos Apoththégmata Iakoniká de Plutarco – que depenou um rouxinol e, achando-lhe pouca carne, xingou: – ‘Você é uma voz, e mais nada!’”  Eu queria, à maneira de João, “não esperdiçar palavra”, mas é o que faço de melhor. Talvez um de seus outros exemplos: “uma faca sem lâmina a que se tirou o cabo”. “Exatamente” uma ex-faca. Mas essa conversa vai longe, pois, entre muito mais, a ex-faca deriva de uma faca existindo, com cabo e lâmina e tudo o mais. Apenas para dar forma circular ao fragmento, que nem é necessário, por quimérico, a estória é contra a História, por ser contra o tempo, de que a História é apenas outro nome. Não me interesso, assim também João, pelo transitório, pelo passageiro... Pelo estritamente Histórico. A História não sabe o que é eterno. Estamos diante de antinomias: história X fábula, história X religião, história X mito, história X poesia. Espaço X tempo.

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As citações de João Guimarães estão em "Aletria e hermenêutica", o primeiro dos quatro prefácios de Tutaméia. De resto a conversa toda se acha lá, é apenas tentativa de tradução de alto original. 

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