terça-feira, 22 de maio de 2012

O espaço imaginário


“A objetividade, a ‘Ciência’ o materialismo, a explicação determinista, o positivismo instalam-se com as mais inegáveis características do mito: o seu imperialismo e o seu fechamento às lições da mudança das coisas. A objetividade tornou-se paradoxalmente culto fantástico e apaixonado que recusa a confrontação com o objeto. Mas, sobretudo, como todo sistema que explora um regime isomórfico exclusivo, o objetivismo semiológico contemporâneo, ignorando os estudos de uma antropologia geral, fecha-se a priori a um humanismo pleno. O que a segurança desmitificante mascara não passa, na maior parte dos casos, de um colonialismo espiritual, da vontade de anexação, em proveito de uma civilização singular, da esperança e do patrimônio da espécie humana inteira. (...) Por isso, parece-nos que uma das tarefas mais sérias na procura da verdade e na tentativa de desmistificação é discernir com clareza a mistificação e o mito. (...) Ora, a poesia e o mito são inalienáveis. A mais humilde palavra, a mais estreita compreensão do mais estreito dos signos é mensageiro contra sua vontade de uma expressão que aureola sempre o sentido próprio objetivo. Longe de nos irritar, esse ‘luxo’ poético, essa impossibilidade de ‘desmitificar’ a consciência, apresenta-se como oportunidade do espírito e constitui esse ‘belo risco que se deve correr’ que Sócrates, num instante decisivo, opõe ao nada objetivo da morte, afirmando ao mesmo tempo os direitos do mito e a vocação da subjetividade para o Ser e para a liberdade que o manifesta. De tal modo que não há para o homem honra verdadeira que não seja a dos poetas.
(...)
Impõe-se então uma educação estética, totalmente humana, como educação fantástica à escala de todos os fantasmas da humanidade. (...) Outrora os grandes sistemas religiosos desempenhavam o papel de conservatório dos regimes simbólicos e das correntes míticas. Hoje, para uma elite cultivada, as belas-artes, e para as massas, a imprensa, os folhetins ilustrados e o cinema veiculam o inalienável repertório de toda a fantástica. Por isso, é necessário desejar que uma pedagogia venha esclarecer, senão ajudar, esta irreprimível sede de imagens e sonhos”.
(...)
É a objetividade que baliza e recorta mecanicamente os instantes mediadores da nossa sede, é o tempo que distende a nossa saciedade num laborioso desespero, mas é o espaço imaginário que, pelo contrário, reconstitui livremente e imediatamente em cada instante o horizonte e a esperança do Ser na sua perenidade”.

(Gilbert Durand, As estruturas antropológicas do Imaginário. Martins Fontes, 2002, p.429-433).

2 comentários:

  1. Ola meu querido amigo,rendo-me em homenagens à tão fulgurante e axiológico texto.Grande abraço.

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    1. Querida Suzane, obrigado pela visita, sempre uma honra!
      Homenagens ao Durand, uma de minhas bases teóricas e que, na prática, deu o nome para este espaço aqui.
      Quanto a você, você já faz o que ele pede: você nos faz sonhar!
      Um grande abraço.
      Gilson.

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